terça-feira, 16 de setembro de 2008

biografia de um Tal


    Cansou do tintilhar dos lustres, do ofuscar das jóias, das encenações forçadas. Incomodava por demais o vazio das conversas e os gestos premeditados. Queria diferente. Até que estacionou o porsche e saiu caminhando. O casarão sustentado por colunas abissais era por demais vazio. Jogou a chave no fundo da piscina e partiu. Deixou quase tudo pra trás mas o coração foi junto. Queria ser dono dos próprios passos e guiar a incerteza de seu destino. Acostumou-se com o abrigo dos generosos e adaptou a fome à escassez de comida. À noite preferia os gracejos da folhas de uma árvore aos sorrisos de dentes impecáveis. Aprendeu a resistir aos abalos sísmicos e enfrentar feras famintas, melhor que a gula, dizia ser. Quanto mais desprendia-se, aprendia. Tinha horas de enjoar da mansidão, queria imensidão. Jogou com a sorte, ganhou uma chance. Sonhou ir pro céu combater inimigos invisíveis. Quando as palavras eram poucas, conquistava mulheres à meia boca. E só seguia em frente se esquecia, rasgando os bilhetes antigos. Com sede de emoção, buscou o risco, e andava agora só em beira de precipícios a premeditar crimes perfeitos. Conseguiu deixar pra trás a estrada borrada de sangue. Estar às voltas causou-lhe náuseas. Imaginou se haveria mais e até experimentou o novo de novo. Desistiu de desistir depois de cair na mesmice. Construiu a pista para o retorno mas sem a sincronia do tráfico perdeu-se no trânsito. Em busca de adrenalina transcreveu vozes alheias e praticou sexo inseguro. No momento de comportar-se exerceu funções pouco cabíveis mas coube o salário. Casou por impulso, e obviamente irritou-se com as rotinas matrimoniais. Derreteu-se com as surpresas paternas e brincou de fingir. Escravo da humildade, esticou lençóis pra madames enquanto divertia-se com sua obtusidade. Nas projeções astrais alcançou níveis extraordinários e até descobriu como boiar na maré cheia. Já de saco cheio de tudo, desenhou o murro que daria no muro; um dia, você vai ver. Mas foi quando pescou o anel mágico no lago do parque que lamentou a idade sóbria. Tentou tanto o cão que conquistou as cicatrizes. No desespero ensinava o silêncio em expressões egoístas. Mirou a ponte mas apontou para o rio. Contou mais uma vez as possibilidades e desistiu por um triz. Chegou ao cúmulo da vida, riscou toda a passagem, fez sinal que diz palavras feias, sem imaginar novos desafios, teceu um chão bordado de buracos, pulou no primeiro e sumiu.